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  • Erika Pallottino

Luto e solidão: devaneios clínicos

"Eu sou ele, ele sou eu.” “Sinto uma solidão absurda.” “Ninguém sabe o que eu sinto, ninguém pode imaginar.”


Solidão é essa sensação de abandono do mundo, como se alguém tivesse trancado a gente do lado de dentro, levado a chave embora e nos deixado na escuridão. Protestamos, sofrendo e chorando. Meus pacientes, muitos deles, chegam aqui e dizem que esse quarto trancado e escuro virou a representação de suas vidas.

Eu escuto as dores da solidão e silencio. Um silêncio que acolhe, que permite o pranto sair, a vida que vai sendo narrada e tecida em lágrimas que não cessam de pulsar. O meu silêncio como que valida que o mundo, em algum lugar, sim, ficou mudo para sempre.

Muitos terapeutas referem momentos como esse, como de impotência. Familiares e amigos, também. “Não sei o que dizer, digo que vai passar, que é uma fase ruim, mas vai melhorar. Não consigo ver ele/ela se acabando na minha frente e não falar nada.”

Nos esquecemos frente a nossa angústia que não falar nada, mas estar ali, é linguagem, é corpo de afeto, é lugar que oferece colo. Ao permanecermos, não deixamos o outro sem eco. A escuta é ressonância no vazio que preenche quem se enluta.

Ficar só e sentir-se só são lugares diferentes, são vazios diferentes.

O luto é solitário porque relaciona-se com o vínculo que foi construído. Ninguém sabe o que nos liga a outra pessoa, o que afina, simpatiza, empatiza, conecta. Portanto, ninguém vai compreender o que faz a dor gritar, desorganizar, pulsar, quase nos arremeter para outra dimensão.

A dor fala do amor que foi estabelecido. E ele às vezes é torto, fusionado, intoxicado, amedrontado.

Fusões costumam ser feitas de dependência vincular. E quando não me percebo eu, mas euoutro, como num bloco amalgamado, não sei o que me resta quando não tenho mais o que era par. Viram um e desse um, nasce a dor que é quase um desfazimento de si. Na verdade, alguns pacientes falam exatamente isso: “não sobrou nada de mim”.

O trabalho com enlutados é sobre quem se enluta e não sobre quem morreu. Falo sobre o protagonismo da cena clínica. E, nos casos graves, é sobre quem vive a morte de si por tempo prolongado, indeterminado e dilacerante, que precisamos intervir urgentemente. Porque a morte de si é a ruína absoluta do eu.

Não saber de si é não conseguir mais se localizar no mundo.

Me lembrei da passagem de Goethe, no livro, Os sofrimentos do jovem Werther:

“Quando faltamos a nós mesmos, falta-nos tudo.”



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